sexta-feira, 10 de novembro de 2017

OUTROS TEMPOS

Quando se avança na idade, recordamos com frequência pequenas estórias da nossa infância que são bem significativas do viver das nossas gentes. De algumas dessas estórias retiramos nós ensinamentos que nos ajudam a compreender o presente.
   Era dia de Todos-os-Santos. A Missa, como de costume, era às onze horas. A canalha, como nós dizíamos, levantara-se cedo e as mães vestiram os fatos melhores aos filhos e às filhas porque iam à Missa.
  Eu mais os meus companheiros (naquela altura havia muitas crianças na vila) resolvemos ir ao rebusco (uvas e figos) e jogar uma partida de futebol. O campo, nessa altura, era junto do caminho de Mondim na Tenaria.
  Depois do rebusco, lá organizamos uma partida de futebol (éramos 22) com uma bola de borracha que um de nós tinha e que, nessa altura, era rara.
Entretidos e alegres nunca mais nos lembramos da Missa. O senhor Padre Duarte passou a cavalo vindo de Mondim onde tinha ido celebrar Missa. Não sei se Mondim não tinha pároco ou se, tendo, estava doente. Quando o senhor abade passou junto do campo, parou o cavalo e gritou:
- Então não ouviram o sino? Toca a andar para a Missa.
  Um de nós, mais rebiteso, respondeu:
- Já vamos, senhor abade. O sino só tocou uma vez!
  O “já vamos” foi muito longo. Na nossa brincadeira e sobretudo porque era futebol, nunca mais nos lembramos da Missa.
  Nessa altura, a canalha ficava na Capela-Mor junto do senhor abade.
  O meu pai, naturalmente, ao olhar para a Capela-Mor, não me viu lá.
   Aproximou-se a hora do almoço e o estômago começou a dar horas e por isso largamos a brincadeira e viemos a correr para as nossas casas. A Missa já acabara há muito tempo.
   Chego a casa todo afogueado, a mesa já posta para o almoço e o meu pai sentado com ares de poucos amigos.
--Onde é que andaste, malandro? Não te vi na Missa!
- Andamos a jogar futebol e não ouvimos o sino.
- Ai sim? Então tu não sabes que é dia santo e que devias ir à Missa?
 Nada respondi. Meu pai não esteve com meias medidas. Tira o cinto e dá-me duas cinturadas valentes.
- Isto é para não te esqueceres da Missa!
  Nem a minha mãe nem as minhas irmãs disseram nada, mesmo vendo-me a chorar abundantemente.
   Foi a primeira e a única vez que meu pai me bateu.
  Felizmente por um lado e infelizmente por outro, os tempos mudaram radicalmente.
Hoje nem os pais devem bater nos filhos porque há outra maneira de educar, nem os filhos sabem ter, muitas vezes, respeito pelos pais. Os professores que o digam.
Borges Simão

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